28 de jul. de 2008

farinha do mesmo saco para exportação.

Hoje saquei os últimos R$ 10,00 da minha conta. Dessa vez não senti raiva, apenas olhei praquela nota e guardei na carteira, quieta, sem pensar em absolutamente nada. Aliás, pensava sim no fato de ter sacado os últimos R$ 10,00 e pela primeira vez não sentir vontade de sair gritando pelo shopping onde o caixa eletrônico incumbido de raspar as paredes já tão gastas da meu cheque especial estava alocado. Não me senti nem um pouco ofendida que pais de família com seus sapatos mocassim de uso exclusivo para finais de semana, representassem a fortaleza ao ofertarem para os filhos quantas casquinhas do Mc Donald's pudessem se inchar. Costumava pensar no ciclo vicioso disso: sorvete aos finais de semana, escola na semana, cursinho depois do expediente de ajudante administrativo, cerveja no barzinho da faculdade, gel sapa-tênis camisas salmão i-pod i-tune i-phone, help desk de sistemas de informação da renomada companhia francesa, promoções para gerente de gestão de sistemas, piadas com o peixe que perdeu na vila, churrascos corporativos, jantares pagos para a mocinha do rh, apartamentos na vila mariana com o financiamento do itaú, troca de carro a cada três anos antes que se desvalorizem no mercado, chá de bebê, pré-escola e, fechando, casquinhas do Mc Donald's aos finais de semana. Sorvete é bom, com esses R$ 10,00 poderia tomar umas 6 ou 7 casquinhas do Mc Donald's, mas tenho outros planos por hora pra esse montante. Ao subir a rua do shopping pensei que ainda precisava de mais R$ 2,30 pra pegar um ônibus amanhã. Lembrei do mendigo que me veio com uma história de latinha filhos deus. Por sorte eu tinha umas moedas que entreguei sem pensar, apenas respondendo, quando entendi naquela voz tão passiva "deus te abençoe", um "amém", que um dia aprendi nas aulas nunca concluídas de catequese significar "a todos nós". Mas não acredito que naquele pequeno montante fosse somar R$ 2,30, no máximo R$ 1,45 - moeda de fundo de carteira tem mania de nunca completar um valor aceitável para a maioria dos preços estipulados das coisas que precisamos. Gostam de quantias facilmente divisíveis ou então laçam a piadinha do 99 centavos pra dezena não se completar, nos dando assim a ilusão que pagamos, por exemplo, R$ 200 por um microondas que custa R$ 300, quer dizer, R$ 299,99 - Nos apegamos ao começo das cifras, ou melhor, ao seu formato. O mendigo conseguiu beber umas 2 pingas, com sorte, arrumou algum dono de bar que arredondou para 3, ou talvez ele tenha juntado os prováveis R$ 1,45 com outras esmolas e levou leite para seus filhos, pra mim, honestamente, tanto faz. Dificilmente voltarei a ver aquele homem que se arruma em qualquer canto que evito (sempre o medo de perder os últimos R$ 10,00). No mais, provavelmente usaria os tais R$ 1,45 pra comprar um halls ou qualquer coisa não mais valiosa do que cachaça pro bêbado ou leite pros famintos: é tudo questão do mínimo do bem-estar, insustentável, claro, para aquele com R$ 1,45 ou aquela com os últimos R$ 10,00. Idiotice pensar que aqueles R$ 1,45 me pertenciam de alguma forma, devo ter trabalhado alguns minutos para obtê-lo, sorte minha que consegui ir para Londres aos 18 anos por conta de uma tia generosa e um pai dedicado: aprendi a falar um pouco de inglês e com ele ganho talvez mais talvez menos que R$ 1,45 por um punhado de tempo pra vender passagem aérea pra gringo que não quer ver um mendigo com discursos automáticos de latinha filhos deus. Gringo vem fazer negócio em empresas francesas, alemãs, americanas, brasileiras. Gringo vem fazer turismo exótico, já que não tem um país mais rico que o seu (e se tem ele já foi) pra tirar fotografia e colocar no porta-retrato: Na casa da minha mãe, tem uma fotografia minha sorrindo, gorda por me alimentar somente de Mc Donald's (onde trabalhei por 10 meses no centro financeiro londrino) e frangos islâmicos, radiante, com o imponente big beng (quase escrevo big bang!) atrás de mim o amarelo parlamento inglês. Talvez o mendigo nunca ande de avião, talvez já tenha andado e perdido tudo na cachaça. O mundo anda doente, sabe, e eu um pouco cansada. Se bem que estou no vigor dos meus 25 anos, com várias idéias pipocando na minha cabeça e os últimos R$ 10,00. O que faço?! Oras, deixe-me tratar de relatar tudo isso pra que alguém entre tantos muitos na mesma situação que a minha me leia e tenha generosidade de me ofertar um comentário: "Puxa, eu te entendo!" ou "Você escreve bem" ou "Como você traduziu perfeitamente o que vivo" ou afins. Aí eu fico toda vaidosa e penso que um dia essas palavras poderiam me render algo além de R$ 1,45. De repente isso aqui se trata de alguma forma de um discurso latinhas filhos deus, só que um pouco mais prolixo, um pouco mais retórico que é pra não ir a lugar nenhum, fazer meus malabarismos desajeitados no farol vermelho de vossas pressas e vossos orkuts e vossos i-tunes e vossos downloads e vossa busca voraz por alcançar algo como companhia e repertório para mantê-las por perto e interessadas pelos seus gostos, cultura, opiniões e palavras: essas palavras com que falo agora "gostem de mim" ou "me dêem um pouco de atenção". Isso não me dói admitir, acho mesmo que até me rende um ar cool toda essa lucidez. Aliás, até certa idade nunca entendi o que os intelectuais diziam sobre: "a consciência dói". Há aqueles que repetem essa máxima sem nunca entender, como fiz durante boa parte da minha vida, aqueles que entendem o que é tal de dor-do-saber e a cultivam para que a auto-flagelação-intelectual lhes rendam alguma sensação de vida e, por fim, aqueles que entendem o que seria essa dor da consciência mas a renegam como podem. Penso que talvez toda essa dor implique simplesmente em saber que somos constituídos de inúmeros defeitos, que não há uma verdade absoluta que nos conforte ao agirmos segundo os preceitos de uma consciência única refletindo atos decorados e fáceis de sermos bons e fazermos o bem, e que, muitos daqueles que admiramos e que nos apoiamos durante um bom tempo estão tão perdidos como a gente. Ah, e de repente a sua mãe se torna uma fofoqueira intriguenta, Ah e de repente o seu pai se torna um ser patético ao espichar os dedinhos do pé dentro de sapatos mocassim, Ah e de repente o teu irmão se torna o queridinho da família ao ser mais um desses idiotas com os seus mocassins esperando pacientes na prateleira de uma loja enquanto ainda não enjoa do nike sox 30 molas. Mas a questão em renegar essa dor, que para mim seria mais um incômodo eventual, é simplesmente entender que talvez 99% das intrigas da sua mãe é unicamente para proteger seus filhos ofertando-lhes aquela verdade única que irá amortecer o peso do mundo em sua prole, envolvendo-os numa redoma cuidadosa e ensinando-lhes a construir esse modelo único de vida que, segundo ela, deu a possibilidade de uma outra, que seu pai calça horrendos, porém confortáveis, sapatos mocassim por estar cansado de tanto lutar por você e suas aparentes necessidades de forma a merecer algum conforto na sola dos seus pés que incansavelmente correram pra que tudo estivesse disponível pra você, e que seu irmão simplesmente aceitou toda essa proteção. Me chamem de moralista, mas tenho horror a ingratidão e mais ainda a gratidões impostas! Não cobrei a benção do mendigo e mesmo se ele tivesse me poupado do reconhecimento por caridades duvidosas, inevitavelmente me agradeceria ao utilizar os R$ 1,45 da melhor maneira que encontrasse na ocasião. Certamente gozarei dos últimos R$ 10,00 do cheque especial da melhor maneira que tenho e, podem estar certos disso, não proferirei nenhum agradecimento, além da cordialidade obrigatória que preciso reproduzir para manter o meu emprego, àquele gringo x que comprou uma passagem se deleitando ao ouvir minhas curvas fonéticas no meu "sorriso na voz" mas que não quer ver a mim nem ao mendigo. E por fim, o que irei fazer com esses R$ 10,00?! Resposta: turismo.

9 de jul. de 2008

Sobre o prefeito que ajudou enfrentou os poderosos.

Opa, procurando uma foto do excelentíssimo ex-prefeito Celso Pitta com cara de sono ao ser preso, a fim de compartilhar com os senhores o raro deleite de comemorar alguma justiça, eis que descubro que Pitta escreveu um livro! Resolvi então mudar o rumo da prosa.
O livro está sendo vendido pela Submarino que, na descrição do produto, anuncia:

"O ex-prefeito Celso Pitta passa a limpo a sua atuação frente à prefeitura de São Paulo entre 1997 e 2000 e mostra os bastidores do poder. Rebate as críticas sobre irregularidades em sua administração e se defende dos dois pedidos de impeachment durante sua administração."


Tá, e daí?! Ok, se o cinismo pretensioso de seu livro, publicado em 2002, não rendeu sonoras gargalhadas vamos aos dados técnicos da publicação:


Editora:
Martin Claret

ISBN: 8572325433
Ano: 2002
Edição:
1

Número de páginas:
160

Acabamento: Brochura
Formato:
Médio


Ahá! Talvez Pitta tenha escolhido a editora a dedo, ou seria a única em arriscar sua imagem ao publicar um livro de um autor tão duvidoso?! Ah! Que nada! Pitta e Martin Claret se merecem! Deixe-me esclarecer: Martin Claret é aquela editora chifrim dos livros, em sua grande maioria de domínio público, com capa de romance semi-pronográfico de banca, baratinho para que os estudantes possam ter pouca despesa com o material escolar e poder gastar o resto cerveja (falo isso com toda propriedade do mundo), disponíveis em bancas e displays giratórios de livrarias. Lembrou? Então, é que coincidentemente a editora teve de prestar contas sobre a séria acusação de plágio em suas traduções. O lance é que um tal de Pietro Nassetti simplesmente traduziu obras de Marx, Nietzsche, Kafka, Platão, Shakespeare, Dostoiéviski, Sun-Tsu etc. Num tempo realmente impressionante! Notem que além do cara ser um absoluto poliglota, ele praticamente psicografou a tradução num surto desfreado pra deixar qualquer Chico Xavier comendo terra. Ah! E ainda conseguiu realizar a proeza de traduzir escritores como, por exemplo, Machado de Assis para a língua pela qual lhes dirijo esse post: Sim! O poliglota ninja traduziu Machado de Assis para o português numa edição integral! Vamos, uma salva de palmas para Pitro Nassetti, Martin Claret, Celso Pitta, Naji Nahas, Daniel Dantas e pra Biblioteca Nacional que entrega numa boa um número de ISBN (International Standard Book Number) para traduções de um idioma para o mesmo:

[clap, clap, clap, clap]

Ah! Já ia me esquecendo, o preço do livro pela Submarino é R$ 17,90, mas pelo sebo do Messias dá pra descolar por R$ 8,00 pelo worst seller do ex-secretário de finanças do (ó abram alas que ele vem aí) Paulo Maluf. E só pra não terminar sem aproveitar a foto da eterna cara de sono ao ser preso:

Desculpem a qualidade da imagem, mas depois de Martin Claret e Celso Pitta, até que dá pra dar um desconto. E me respondam, será que a "Política E Preconceito" já foi traduzido por Pietro Nassetti?