25 de set. de 2008

Desconstrução

Acordou. Embora tivesse as retinas viciadas da sombra corrompida pela fresta da janela, sabia que os objetos estavam exatamente onde esperava: relógio no criado-mudo, cinzeiro no chão ao lado da cama, o casaco pendurado na cadeira. Primeiro impulso: 15:34, coçou a cabeça para tirar resquícios de sonhos esquecidos e sabia que tudo estava acabando. Pegou o casaco e tentou desprender algumas sentenças de seus botões, olhou para algumas anotações no caderno: em branco. Foi ao banheiro e já não sabia se era homem ou mulher. Foi até o espelho para esfregar alguma imagem na cara, com força. Espelho cinza, fosco. Correu até o telefone. Tentou se lembrar de alguém, alguma conversa amiga, alguma piada interna, mas não se lembrou de absolutamente ninguém. Arriscou qualquer número: chamou, chamou, chamou. Por fim, atenderam:

_ Em que posso ajudar?
_ Por favor, estou com frio hoje.
_ Aconselho que vista um casaco _ Já estava com o seu casaco.
_ Não, não é isso. É que sabe, estou com sono.
_ Neste caso, sugiro que descanse um pouco.
_ Não, acabei de acordar. Na verdade é o meu emprego, sabe, está acabando comigo.
_ Então a melhor opção é arrumar outro.
_ Não é isso, é que... Acho que sinto fome.
_ Bem, deveria se alimentar.
_ ... mas meu estômago, desconfio que não tenho um propriamente.
_ Procure um médico!
_ Sim, um médico! Por favor, me transfira para um médico.
_ Bem, lamento, mas agora não existe nenhum médico.
_ Então me transfira para alguma farmácia.
_ Não há farmácias.
_ Me transfira para qualquer pessoa.
_ Perdoe-me, mas neste instante não existe ninguém.
_ Mas e eu e você?
_ Se me permite dizer, sou apenas uma suposta voz.

Ainda tentou responder, mas em lugar de algum argumento, veio o silêncio. Entendeu. Finalmente entendeu que não passaria de um incômodo. Que tudo se encerrava nisso, entre o acordar e esta última ação de pensar sobre o acordar. Um lampêjo abortado. Alguma idéia que não foi levada a sério e nem mesmo sequer tiveram o trabalho de lhe criar alguma trama, algum enredo, algum conflito. Atribuíram-lhe o inacabado, nem mesmo serviu de verso ruim, um mísero haicai que fosse... Não, era a pura falta de disposição alheia! Era alguns suspiros, era palavra empedrada, era o que se olhava despreocupadamente pela fresta da janela e, por falta de paciência, não seria nem o fim, seria o nada depois da próxima vírgula,










21 de set. de 2008

A day in a life.

Ando treinando discursos nietzscheanos debaixo das cobertas enquanto os cães ladram o dia em que não existo. Desta maneira evito o sol, fuligens de automóveis e certos aborrecimentos.
Ainda não descobri nenhuma palavra que se possa entender, mas te perguntaria sobre seus afazeres se soubesse onde me enfiei: naquela calçada pela manhã, quando o orvalho cobria seus medos e escrevia no vidro do teu carro o quanto sinto a sua falta. Mas agora já me recolhi e certamente os discursos pelos bares da augusta me fariam pouco sentido nesta altura. O telefone, antes do corte mensal, só encontraria a casa quieta e a porta fechada. Na pia, filtros de café revalariam alguma tentativa de esperar mais dez minutos antes das cortinas se fecharem. E eu não reconheço uma vida que ninguém mais fala a respeito. E o que resta, por hora, é essa estrutura parada na frente dos cães bravos. E continuo andando pra dentro do meu quarto.

15 de set. de 2008

Fora do ar,

Voltarei assim que algum acontecimento me tirar do torpor.