28 de dez. de 2009

Pensamentos Rápidos

que se transformarão em algo que não quis dizer

A Leonardo Arruda


como ele sacou com conlusões mais rápidas ainda: gente sagaz com um arzinho de nada. Ele me disse que isso vai cansar e eu respondendo que esse é o meu propósito defendendo qualquer resquício de película de lirismo nos cantos dos olhos e um hálito de manacás dormidos. Não! Não é choque fácil que eu quero nem é ele que se choca fácil demais, sei lá o que é. Eu sei, mas não vou dizer pra não ficar com a bufadinha destinada ao saco de toda impaciência do universo. Não me maqueio, por isso olho pouco no espelho e quando estou sóbria demais poucas coisas fazem sentido. Melhor continuar no limiar do penúltimo piscar de olhares e línguas enroladas quando tudo a se fazer é só. Mas vou continuar falando assim. Angústia é palavra presa, né Ana? É sim. Freud andou dizendo que os 365 presentes é falta dentro do corpo. No espírito, não no santo, naquele maculado pelo tocar-se que afaga afaga afaga fricciona fricciona fricciona machuca machuca machuca e coça coça coça e se esquece quando no outro lado das minhas costas americanas desponta o comichão central que, por sua vez, se eriça para a ponta das unhas comidas feito serrinha de grade : pego uma caneta e vou aliviando a gritinhos e tremeliques; e digo "se emocione também com este meu alívio de cotonete" - não, ele está passando hidratante natural a base de figo português, árvore forte d'aonde deriva o nome que corto ao meio. Nome problemático. Queria mesmo que fosse Monteiro de Figos, coisa amachucada e muito doce, mas tudo insiste em se derivar, até as reprimendas. Mamãe é de Portugal, papai, claro, da Espanha e eu sou dos mouros: cabelo persa e confuso, sobrancelha grave e uma espada dorsal curvada: oxalá, empurrando o pé da montanha qualquer lugar a um Estado de casa! Pois ainda por baixo sou de água para o fogo! Olhei o desenho e pensei: Se fosse fogo mesmo mais pareceria uma Mula sem cabeça. Coisa mais absurda, gente. Coisa sem caber em lugar nenhum nesse mundo com tanta gente acordada ao mesmo tempo e ele acorda tão cedo. Mas sinto sono e é melhor dizer que eu só queria que, nesse corpo de palavras, houvesse uma tatuagem de flor pra ficar mais bonito e se ele não me disser que isso seca, nós não secamos.

24 de dez. de 2009

SMS PARA CALIXTO II.

Enquanto o teu
poema
perde a levada
McCartney,
eles reverberam
na sala de
Starrrrrrrrrrrrr:
Good night, sleep tight

22 de dez. de 2009

SMS PARA O RH

Se conseguisse
eu quebrava
perna,
braço,
bacia
baço,
só para colocar no atestado que
realmente dói,
mas só posso provar aquilo que,
embora em menor intensidade,
permanece.

15 de dez. de 2009

SMS VIA BLUETOOTH.

Meu motor tem 1 cavalo
de olhos bem abertos
e assustados;
com dentes.

11 de dez. de 2009

sonífera.

soo a sono sem
sossego
suo a sonsa
sonolência
solto à sombra do
solstício
seu sôfrego batuque tropical.

7 de dez. de 2009

SMS PARA CALIXTO.

Seu sol resolveu
aparecer
nos meus fones de ouvido.
[space]
and I say it's all right.

25 de nov. de 2009

Apresentação (da sinopse).

ou Monólogo no Espaço da Suspensão


eu preciso escrever. notei isso quando aqueles dois disseram que precisavam ir ao banheiro. imagine! dois marmanjos indo ao banheiro juntos! ouço os mais [abre aspas] descolados [fecha aspas] dizendo: e o que é que tem? não tem nada, eu ousaria. fora o fato deles trocarem piadas o tempo todo pelejando a testosterona que lateja nalgum lugar que incomoda tanto. eles se acusam e molestam o limiar frágil do que deve ou não render-lhes algum prazer na vida. prazer estranho aquele de coçar dentro da orelha sabe-se lá o que descame. coisa sádica essa de enfiar as unhas arrancando pele solta de sobra do toque que lhes faltam, e falta o bom senso: a felicidade mais possível é mera questão de tato. toquem depois de lavarem as mãos de onde querem ir, mas voltem. foram na altura do discurso quando absolutamente todos estavam ofendidos, ao menos tiveram o cuidado de se justificarem antes de se levantarem, como disse, juntos. malditos! eu não os acusavam! delicadamente pedem licença e vão ao banheiro contra todo e qualquer pedido plausível: fiquem que eu paro! mas a bexiga uma hora estoura. e com quem eu falo? estou testando a resposta do universo nos senhores: esse saco há de aguentar pela conclusão que pode me conter, senão estouro eu que estava com vocês o tempo todo até o momento da defesa fácil: "vá saber, né?!" - sempre é bom dois pés atrás. se tiraram todos da reta e passei sozinha. nem notaram que eu falava de mim e que queria palco montado, não a cortina escancarada. eu queria que vissem além da margem do filme preto & branco, não o microfone no cantinho ignorado. eu queria que me perdoassem a falta do estilo alexandrino. e responderam em dissílabo evidente. "Tá bom", deixei no recado.

21 de nov. de 2009

Sinopse.

ou Metaverborreia Retórica Ressaqueada Por Extenso.


Ela pensou que precisava escrever. Devia ser por isso esses olhares nos corredores trabalhistas. Devia ser isso os tantos bocejos escancarados feito leão-mgm-metro-goldwyn-mayer: e a história que ela começou nem era do começo. Devia ser por isso que eles se levantaram para ir ao banheiro JUNTOS sem o mínimo pudor, sem o medo da bichice convencionada. Devia ser a ausência da vírgula entre verdades concluídas com a rapidez de uma frase sendo formada entre o abrir e o fechar da boca e sim! É assim mesmo, gente. Entendam que ela descobriu a verdade do mundo agorinha mesmo - premiados sejam! Escrevam cada coisa que ela disser, andem, escrevam ou então tomem remédios pra memória, dizem que peixe é bom pra isso, peixe centrum vitaminas de A a Zureta girando descarga abaixo. Mas retenham isso tudo, anotem na palma das mãos com tinta indelével, ou melhor, tatuem na testa em desenho japonês, nanquim de cadeeiro, tinta de caneta bic que nem a Cristiane F. Marquem absolutamente tudo o que ela está dizendo. Façam exercícios de meditação para que possam envelhecer com a cabeça boa pois vocês se lembrarão de cada palavra que ela disse nesse quarto de hora. Vocês vão precisar disso. Vão! E precisam, por favor, entender que o "eu posso estar errada" deve ser totalmente ignorado e que ela ainda deve cumprir com esses protocolos de humildade pra não ser chata ou presunçosa, entendam que ela tem completo horror só de pensar seu nome descendo e subindo nesses elevadores em que a sua voz tão alta se disfarça no exato 5º andar e a porta revela um diminuto "pedante" - pedante?! pe-dan-te?! Não! não venham com essa que ela manda todo mundo se fuder e todos hão de achar um convite razoável já que absolutamente todas as suas gias vieram pela mesma janela em que você se encostava para verificar se deveria vestir um casaco ou um traje de banho nesses trópicos capricornianos. Mas ela já havia decidido por eles: hoje há de chover! Olhem as nuvens, sintam o cheiro do asfalto quente sendo resfriado, observem o comportamento das moscas que já voam com as asas receosas: melhor se abrigarem na sua garganta incessante pois ali é cárcere semi-aberto. Ela está falando, escute, escutou? Ela está falando sobre o fato de você escutar e sobre se perceber cada palavra entrando entre as brechas dos fones siliconados. Deve ser por isso que ela sempre tem essas metalinguagens tão originais, imaginem só! Ela é discípula de Machadinho (há de se encontrar intimidade entre deuses e eles gostam disso porque só pode ser deus quem sabe que é deus e deuses gostam de estar entre deuses e entre deuses que nem sabe que o são), imagine só se aquela mosca decide entrar na goela frouxa de seu interlocutor: prisão perpétua! Imaginem só ser tão esperta e tão sarcástica. Imaginem só leitores, ser leitores dessa sutileza que vos acusam disso que ela os elegeu. Ela ri enlouquecida. Imaginem se ela resolvesse escrever repetindo técnicas baratas. Leiam, porque ela pensou que precisava escrever.

27 de out. de 2009

Mp4 Dei.


Ontem descobri que deus se comunica comigo através do meu mp4 Player, mais especificamente nas canções do Death Cab For Cutie, o que pode comprovar Sua aprovação quanto a disseminação de arquivos not copyright, capiche? O que é muito, mas muito, confuso foi que ele só passou a se utilizar desse meio comunicativo depois que comprei o aparelho original, com nota fiscal das Americanas. Vá entender os divinos desígnos. O fato é que ele trocou uma ideia comigo enquanto ouvia Grapevine Fires do Death Cab, pois! E não, não sou esquizofrênica. Grata.

24 de out. de 2009

Menarca

eu não sei quando poderia
menstruar essa fêmea ovulante,
acentuar à papila evidente
o gosto saliente do brilho
delinear um cílio manchado
não de lágrima, mas de chamar
e receber o outro chamado
eu diria isso tudo em sigilo
nos lábios prontos a admitir
os sibilos do batom rubro
naquela tintura renunciada
àquela mulher que há pouco vi
dentre a declaração borrada
no teu espelho hoje de manhã.

22 de set. de 2009

a quarta aula.

A profª Yara engordou. Isso foi o que eu pensei hoje pela manhã ao cruzar o meu caminho com ela.
Dona Yara foi apresentada como professora de matemática da 6º série do ensino fundamental da escola municipal Dep. Cyro de Albuquerque, exato ano letivo em que eu coincidentemente havia decidido renunciar às práticas aritméticas. Não me julguem tão preguiçosa antes de tomarem conhecimento de como esta disciplina havia infernizado a minha breve vida escolar até então.
Quantas foram aquelas professoras que disparavam fórmulas, teoremas, equações com a velocidade de um raio que com a mesma rapidez ricocheteavam o meu cérebro fantasioso e retornavam para seus conhecimentos tediosos e automáticos permanecendo para sempre intocados e isolados de qualquer possibilidade de penetrarem na memória sonolenta daqueles alunos de hálito dormido os quais estabeleciam como principal meta, durante aqueles quarenta e cinco minutos, reogarnizar o cronograma pedagógico a fim de alinharem as aulas vagas diárias pra depois do intervalo resultando na tão almejada dispensa pós-canjica.
E então veio a profª Yara com olhos esbugalhados, cabelos negros e grossos repuxados com um arquinho dentado de plástico, camisetas com retoques de cândida e gola esgarçada e aquela voz estridente de uma soprano de cordas reumáticas que, para decepção geral da galera, residia ao lado da escola e nunca sequer tencionou dar-nos o alívio libertário após as merendas.
Nem a sua voz, nem a sua paciência digna de inveja de personagens bíblicos como Jó por exemplo, me dissuadiam da decisão: eu não iria nem mesmo me esforçar em acompanhar aqueles símbolos absurdamente gregos tais como alphas (peixinhos de barbatanas abertas), tetas (de uma representação tão infame diante seu potencial subversivo) e pi's (a tal da casinha ao estilo colonial).
Para me livrar do tédio, comprava antes da primeira aula, um exemplar do jornal Notícias Populares. Então, assim que a Dona Yara adentrava no recinto, se deparava com manchetes do tipo: MA-MA-MATARAM O GA-GA-GUINHO, as quais me introduziram no concretismo literário.
Depois de um semestre a profª Yara finalmente conseguiu cair na graça geral, até mesmo o Renato-Coruja resolveu deixar seus sonhos matinais pra resolver teoremas de pitágoras no quadro. Mas eu continuava interessadíssima nas inventigações contra a quadrilha dos palhaços que, a custa de um pirulito, dopava as crianças e vendia seus rins no exterior por uma quantia superior ao custo cinco super nintendo com todos os cartuchos juntos. No milagroso silêncio durante as explicações, ouvia-se o farfalhar das folhas que eram manejadas cuidadosamente para que não vertessem sangue de suas páginas carníficas. Dona Yara, pelo menos uma vez por semana, se sentava ao meu lado e perguntava qual era o balanço semanal de rins infantis e depois me implorava para que desse atenção a isso depois do horário de suas aulas. A princípio achei a solicitação razoável, mas a decisão já tinha sido tomada: a matemática estaria para sempre banida de minhas ciências. Eu estava irredutível até um dia que D. Yara pareceu perder enfim seu poço farto de paciência.
Ao 26º rim pueril exportado, o jornal foi abruptamente tomado das minhas mãos. Enquanto D. Yara se dirigia ao lixo, não se ouviu o mínimo ruído fora aquelas folhas sendo raivosamente picotadas. Ela não disse nada. Eu, catatônica, não ousei nem inflar os pulmões em objeção. Após enterrar aquele jornal no lixo, a aula prosseguiu normalmente. Alguns que ousaram me olhar foram ineditamente repreendidos a gritos histéricos: "Rodrigo! Olha pra lousa! Dê atenção ao que merece atenção!"
E nesta manhã, olhando a Profª Yara naquele instante em que nos cruzamos, quis dizer: graças a senhora o meu cérebro permanece operante juntamente com meu sistema excretor, mas ela estava tão disforme da minha memória que tudo que pude fazer foi notar que de certo seu rim deveria estar comprometido resultando em alguma retenção de líquidos.

3 de set. de 2009

pick-up stuck.

você sabe aquela sensação de jogar pega varetas em que você precisa fazer algum movimento mas acaba percebendo que todas as varetas soltas já acabaram e absolutamente nenhuma delas parece estar numa composição digna o bastante para arriscar uma puxada sagaz por baixo? sabe quando você tem certeza de que qualquer mínimo toque vai causar danos irreversíveis àquela trama que se sustenta frágil pelo acaso displicente em que as coisas foram jogadas no meio das nossas vidas? você me entende quando eu falo que nenhuma cor se salvará depois dessa minha vez? você pode ter ideia de como estou apavorada com isso? você se deu conta de como a mais cuidada cautela se assimila a um trejeito paquidérmico? você percebe como cada um desses espetos se tornaram tão essenciais uns aos outros que de todo esse erro, esse foda-se, esse let it be, se tornaram em si o alicerce do nosso único acerto? você tem noção de como não quero derrubar tudo isso com o gesto trêmulo e vacilante? você consegue conceber o simples fato de eu não poder seguir adiante ou mesmo dar as costas a essa geometria tão afetada? não há formas fechadas nisso, vê? é tudo muito aberto num ângulo caótico e o restante dele é tudo daqui a frente. você se lembra de que já arriscamos a tangente e o único ponto de fuga se tornou a base de todas as outras peças? você pode precisar o quão delicada essa arquitetura se compõe de modo que qualquer vibração periférica pode nos quebrar em cores distintas e distantes como se este edifício estivesse já viciado à espera de sua ruína iminente? você reparou como cada divergência dessas retas se tornou o nosso ponto-de-equilíbrio e isso só converge ao nosso favor quando continuamos prendendo a respiração diante do próximo deslocamento alheio? eu quero ficar. e então algo começa a se desfazer quando você repete:

_ É a sua vez.

11 de ago. de 2009

penúltimas ofertas.

E me diga por quanto a minha paz tem sido protestada no cartório? soube por alto que o banco inglês tem dado lances estratosféricos pelas minhas manhãs de sol em que observaria a poeira dançando calma pela luz vazada da janela do meu quarto, mas o outro espanhol arrematou a bebedeira com piadas histéricas numa socada só: "El inferno es real, yo lo se".

o atacado de existencialismo me mandou uma oferta imperdível pelo correio: Não perca, queima de estoque de nauseas prêt-à-porter com o primeiro pagamento somente na primavera - a taxa de juros estava em letras microscópicas no rodapé. Não, obrigada, prefiro pagar a vista.

assisto ao anúncio da nova margarina com zero porcento de colesterol. havia uma moça sorridente de calça branca pedalando uma bicicleta com fartas margaridas na cestinha. vou mandar buscar isso tudo na vendinha do seu guilherme que ainda enrola suas mercadorias em papel de seda e vende um trago da cirrose ardida por cinquentinha. mas já penhoraram o sabor da tubaína sabatina no tempo da catequese cabulada. no lugar da vendinha, uma revenda de carros semi-novos com ursinho pooh no capô:

la garantia soy yo.

_ Bom dia, meu nome é Sheylla, estou entrando em contato referente a uma parcela dos seus passeios em que você andando assim displicentemente sente a preciosa felicidade de viver e ser o que você é que está em aberto em nosso sistema.
_ Sheylla, escuta, esse sentimento durou muito pouco por isso quero desistir da compra.
_ Senhora, pelo plano que foi contratado, há uma fidelidade vitalícia.
_ É mesmo?
_ Sim. Se a senhora quiser, eu vou estar enviando uma proposta de renegociação.
_ Sheylla, eu posso trocar o produto pela sensação de ser completo pelas pessoas que me amam de fato?
_ Olha, nesse caso poderia incluir esse plano adicional ao seu pacote, mas então teria uma taxa de serviço de 10% e multa contratual em caso de desistência.
_ Mas escuta, e se essas pessoas morrerem?
_ No caso de morte natural nós mandamos pessoas sobressalentes que preencherão o vazio. Já em caso de assassinato ou acidentes, teremos de abrir um processo de reclamação para a gente estar analisando criteriosamente se houve fraude no falecimento dessas peças e a senhora terá de passar por uma perícia minuciosa para a gente estar verificando se de fato a senhora estava usufruindo dessas relações como rege o contrato vigente.
_ E se eu morrer?
_ Se a senhora morrer antes do término do prazo acordado, a senhora será multada pela infração contratual.
_ E o que acontece?
_ A sua reputação será inclusa ao cadastro de proteção a vida que poderia ter sido e não foi de forma que a senhora será relembrada com aspectos não muito positivos por aqueles que tiveram algum contato com a senhora e permanecerem vivos.
_ E quando essa pendência caduca?
_ Só um momento que preciso consultar o meu supervisor.
[sete minutos depois]
_ Alô?! Senhora?!
_ Sim, estou aqui.
_ Me perdoe a demora e muito obrigada por aguardar. Em relação a sua pergunta, a débito só caduca quando todas as pessoas que a senhora conheceu ou que ouviu falar postumamente na senhora morrerem e a senhora não for absolutamente nada além do esquecimento iminente.
_ Me parece razoável.
_ A senhora vai contratar o serviço?
_ Sim, por favor.
_ Qual a forma de pagamento?
_ Olha, o meu sossego já está estourado. Posso pagar com as minhas noites bem dormidas?
_ Noites bem dormidas terá um acrésmimo pelo seguro anti-tranquilizantes, ok?
_ Como é esse seguro?
_ O seguro garante que se a senhora atrasar o pagamento com tranquilizantes o efeito seja potencializado e a senhora sinta em vez de sono, um acréscimo de preocupação em três vezes mais a cada noite.
_ Ah, certo, Sheylla. Fecha o pacote.
_ A Vida Ltda. agradece o contato.


eu que agradeço.

25 de jun. de 2009

gota d'alma.

Voltei agora do serviço. Chovia. Chuva de inverno em São Paulo costuma ser fria pra caramba e ainda consegue molhar mais do que deveria uma simples chuva de inverno - As gotas penetram qualquer brecha improvável dos tecidos e espaços: gotas imediatas no vão entre as lentes e a pupila despertam qualquer um distraído e cansado ao voltar de uma noite inteira de trabalho.
Uma vez li em algum lugar que as 06:00 da manhã costuma ser a hora mais fria, sim, era a mesma hora da primeira luz de uma quarta-feira - difusa. E pensava em pouca coisa. Digo assim de forma linear, sabe. Flashs, imagens, emaranhados do que se ouviu nas últimas 48 hrs. O que a Maeli queria falar comigo ontem à noite mesmo? Não sei, não consegui atender seus chamados. Olho a esquerda esperando o ônibus enorme passar abarrotado de pessoas penduradas - estou livre dessa. O dia não vai sar muito claro, ouço enquanto uma gota gélida explode nas têmporas quentes. Não vai ser mesmo. Observo as nuvens formarem cortinas indissipáveis naquilo que se propunha a brilhar. A luz é a mesma em qualquer lugar e a sombra se forma nas nuanças dessa claridade duvidosa. O sinal abre. Espero algo que não vi passar. Estou atrasada em ponto, observo na tela molhada do celular que aliás não tinha nenhuma mensagem nas últimas 12 horas. Eles estavam dormindo, deduzo. Os chamados de Maeli. O cigarros acabaram e não choverá palavra alguma do céu, fora isso que a gente pensa tudo junto o tempo todo e não se resolve nunca. E agora chega aquela hora que o que importa é falar o que qualquer um diz primeiro e o outro concorda: ai que chuva!
Não, o dia não vou ser muito claro, eu concordaria, mas já tinha atravessado pra qualquer direção: não havia sombras para se abrigar desse silêncio de casa vazia.

12 de jun. de 2009

self fortune.

"A lesma quando passa deixa um rastro prateado"
AnaC.


Quando era pequena sentia um amor enorme pelos bichos e disse que seria veterinária. Não foi. Ouviu o tal do roque e disse que montaria uma banda bem barulhenta. Não montou. Do ônibus viu um mendigo e disse que se meteria nesses lances da política. Não se meteu. Numa tarde fria leu um poema e disse que cantaria por aí. Não cantou. Agora essas coisas já passaram e dizem que distraída ainda vive (de alguma forma).
Enquanto ela dorme vá e sussurre em seu ouvido que quando anda pela rua deixa um rastro prateado, assim bem delicadamente, sabe. E aproveita e fala pra ela que esse viver displicente acentua o brilho fosco dos seus cabelos desgrenhados e tão cheio da essência do tabaco que se desfez em noites sem sonhos e é quase tão sublime quanto música acabando.
Então ela escolheu não ser e foi ela.

28 de mai. de 2009

manhã sem sol para ele.



A Fabiano Calixto

Eu disse agora pra você que foi um milagre. Foi assim, ó, vou te contar direitinho. Era 5:00 da manhã e recebo teu recado de SOS e te encontro naquele posto de gasolina. Não digo nada e te abraço e você confessa que era tudo, tudo o que você precisava. Fomos pra minha casa e começamos a conversar, fumar, beber café. O rádio ligado com algumas notícias matinais e de repente começa a tocar "While My Guitar Gentle Weeps" do Harrison. Eu nunca havia ouvido aquela música tocar no rádio e do nada tudo fez sentido. Nunca mais ouvi essa música tocar novamente, eu te disse. Deve ser porque nunca mais te vi passando por aí nas redondezas. Eu podia fazer disso literatura, mas só o fato, o simples fato já é o máximo que poderia nos acontecer naquela manhã. Não transformo nada. Eu apenas digo: foi um milagre enorme tudo aquilo. Você deve ter ficado mais uns 10 minutos e depois foi pra casa a salvo. A salvo de qualquer coisa que poderia nos matar naquela manhã sem sol. Pelo menos naquela manhã. Depois tratamos de nos perder pra além de qualquer data ou qualquer cor em preto e branco.

24 de mai. de 2009

conversa da ponta da mesa.

Começo a dizer porque estou sentindo vontade de me ouvir nessas expressões que você faz a cada palavra que vou dizendo sem pensar. E tudo ouvido assim tão de perto parece bobagem, então o silêncio veio a confirmar que essas bobagens fazem sentido. É quando comento do que vem e do que vai enquanto você junta para o centro da mesa os grãos de sal que erraram o prato, é quando te falo de medo e você procura o isqueiro na bolsa sempre tão cheia de coisas como se nunca mais fosse voltar pra casa, é quando esbravejo maldições ao que existe por alguma corriqueira auto-frustração enquanto você se vira procurando o garçom e eles sempre com essa mania de nos ignorar assim com tanta sede e tanta urgência de nos embebedarmos para o entreterimento semanal, é quando começo a falar de amor e você ri das reminiscências de algo meio caipira no meu sotaque que muda espontaneamente em cada situação como se não fosse de lugar algum e de todos eles, é quando menciono permanência e você me pede lincença para ir ao toilet, sim, você diz toilet como se esse cubículo impestado de aromas ilícitos fizesse juz a tal designação, é quando percebo que estamos todos falando sozinhos enquanto você me escuta e responde: eu também não quero ser só me contando qualquer caso da semana passada e tento limpar o borrão indelével das lentes dos meus óculos, mas o pano da camisa é sintético e só espalha essa nódoa que se evidencia quando te vejo contra a luz. Então digo intermináveis trivialidades te pedindo pra ficar e você consulta o relógio. Ainda é tempo para você reparar na blusa estranha da moça que passou atrás de nós me dizendo que sim. E eu prossigo.

20 de mai. de 2009

Quatro diriam,

(mas uma está atrasada e a outra parece que não vem mesmo).


Aquela foto tão bacana que tiramos na augusta de 10 megapixels com retoques do photoshop e direito a bordinha fake polaroid foi pro saco quando inventei de limpar as cartas antigas de amor em formato word 98. Sabe-se lá porque ela tava ali no meio.
Sorry, baby, nosso estandarte da tropicália capricorniana não terá manchas de desgastes. Se bem que não usávamos chapéus engraçados nem colares havaianos e, no mais, o modo sépia também não convencia muito. Volta tudo: às 18:00 nos encontramos, embora sabemos tão bem que para chegar a consolação, provalmente, só depois do rush.
Ela disse que só iria chegar depois das dez. Ainda tem tempo de mais um torpedo enquanto ele aguarda na fila do banheiro. Quando voltar já terá uma garrafa nos esperando com conversas de encontros e outros. O tópico tão aguardado:

_ Ah, então, era basicamente isso, entende?
_ Sei, sei.

Fim.

Mas eu ia dizer alguma coisa. Diz. Eu acho que você já disse. Mas o que era? Era isso de ser o que a gente é. O que que tem? Não sei, acho que é isso mesmo o que você disse. Mas qual parte exatamente? Todas elas. Mas eu não disse tudo também. Então fala. Mas eu também não sei o que seria exatamente tudo. Estamos aqui há 1 hora e meia. Pois é, há tempo. Há tempo? Há. Há tempo pra quê? Há tempo para falarmos tudo. Para falarmos tudo até quando? Ai, até quando der. Mas e depois? Depois a gente vai embora. E se não falarmos tudo? A gente vai embora sem falar mesmo. Aí depois podemos marcar pra outro dia esse lance de falarmos tudo. Combinado! Consolação depois das 18:00? Fechou.
Acho que ela não vem mais. É, acho que não.

(Post originalmente publicado no blog 'Todos Dizem Eu Te Amo" em parceria daqueles que também não foram).

13 de mai. de 2009

provas.

Sabe, foi um desespero quando te vi. Jogava isqueiros nos cinzeiros, acendia bitucas no fogão. Esquecia de passar na padaria e comia as raspas da geladeira. Eu te disse que foi uma danação toda. Pressenti um dia, acho que há três anos, durante uma terça-feira em que voltava do serviço, que você seria exatamente assim. Te encontrei há três semanas e foi daí que tive certeza quando um fusca azul passou na avenida, é que tinha pensado assim, quase como simpatia: "se um gol prata for o próximo carro a passar, é porque o amor é confirmado". E se confirmou! Agora tenho certeza. Você é o amor que previ no engarrafamento da Rebouças, é que fiz um pacto assim: "Se eu conseguir prender a respiração da Oscar Freire até a Faria Lima é porque o amor vai acontecer", então quando buscava ar na Henrique Schaumann eu soube que era você. E não poderia estar mais certa.
Agora as chaves estão na mão, aquelas que abrem qualquer porta.

27 de abr. de 2009

últimas notícias.

A família se reúne em torno das reportangens semanais. O som abafado do apresentador - mais um carro em chamas na marginal - suspende o que restou do sonho: um casal burguês, década de 60, fazendo-se revolucionários dentro de uma cabana e de alguns terrorismos particulares. Não os conhecia.
vira a página pois o que se pensou já está passado. Idéia com gosto de cabo de guarda chuva. Desenvolva um samba de cabeça ao invés de ser tão sensorial. Anota na palma da mão: "parar de procurar pulga em cachorro de rua". No banho ainda pensou enquanto se desembaraçava que haveria alguma metáfora bem bonita pra falar do corpo. Esquece o toque e procura a imagem: a mesma. Conta o tempo e sai de casa levando atrasos os quais supõe contar três anos e uns quebrados. Cada rua, cada janela, cada entrada aberta ou fechada compõe passo a passo aquela história que não vai vender. O ônibus diminuiu a velocidade - atraso: três anos e dois quebrados - todos se apertaram para sentir o cheiro de borracha queimada que ainda saía da carcaça fumegante, contemplam a origem do congestionamento-recorde da quinzena. Entra no trabalho e anuncia:

_ Vou escrever um roteiro.

De fato, escolhera o assunto errado.

18 de mar. de 2009

como se sustenta o mundo.


"Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação"
(CDA)

Então cheguei perto de você sem que me fizesse perceber. Não exatamente como presença nem como ideia, mas como eu, e te vi dormindo. Acendi a luz do teu abajur e chamei o teu nome, o nome, como se nesse nome não houvesse o intento predicativo, vocativo ou sujeito - como se o nome nem mesmo fosse som, como se o nome fosse as tuas células, os tecidos, os pelos, o tato, o toque. Como se o teu nome não invocasse lembrança alguma ou ancestralidades. Como se esse nome não tivesse morfologias ou derivações, por fim, como se esse nome fosse anterior a qualquer coisa e não se relacionasse com nenhum outro significado a não ser aquela palavra você que eu chamava. E este foi o primeiro ato dentro dos acontecimentos que se forçam.
Embora nos conhecessemos, era a primeira e única vez que travávamos contato - e não havia ali medo ou sobressaltos, não havia o que se esperar ou se iludir: fechou-se a cortina de nossas vidas e, agora oniscientes do nosso tempo e universo, nos olhamos. Não precisava, naquela atmosfera despida, dizer qualquer coisa, mas dissemos e, mesmo antes do reflexo da vida, do amor ou da morte, ouviu-se: "bom dia".
E fomos felizes até então.

9 de fev. de 2009

sobbing hiccup jazz.

Às quinze horas de ontem, Rita não fez nenhum comentário numa mesa de bar situado na Haddock Lobo. Às quatorze horas e cinquenta e nove minutos de ontem, Rita esvaziava os pulmões. Às quatorze horas e cinquenta e sete minutos de ontem, Rita engolia cerveja quente. Às quatorze horas e cinqueta e seis minutos de ontem, Rita lembrava de uma piada. Às quatorze horas e cinquenta e quatro minutos de ontem, Rita escutava Renato, o rapaz de personalidade forte e sagacidade invejável, contar um evento que nunca aconteceu. Às quatorze horas e cinquenta e dois minutos de ontem, Rita ouviu Cecília soluçar. Às quatorze horas e cinquenta minutos de ontem, Rita observava Conceição trocar os cinzeiros da mesa ao lado. Às quatorze horas e quarenta e oito minutos de ontem, Rita pensou em ir ao banheiro. Às quatorze horas e quarenta e cinco minutos, Rita precisava falar algo. Às quatorze horas e quarenta e dois minutos de ontem, Rita pensou em se despedir. Às quatorze horas e quarenta minutos de ontem, Rita estava quieta. Às quatorze horas e trinta e sete minutos de ontem, Rita fingia rir do comentário de Ângela. Às quatorze horas e trinta e dois minutos de ontem, Rita acreditou, como se acredita em qualquer coisa, que poderia ter uma boa tarde. Às quinze horas e dois minutos de ontem, Rita consultou a relógio duas vezes. Às dezessete horas e vinte dois minutos de ontem, Rita concluiu que a piada era muito boa e riu, no bairro de Santana, até às dezessete horas e vinte três minutos de ontem.

8 de jan. de 2009

a ponto de evitar um diálogo grosseiro

a revolucionária me veio com um livro de auto-ajuda. disse que o sucesso seria a repetição. repetição. repetição. repetição. repetição. a operadora de telemarketing tentou filosofias: 5 conto na banca da paulista, só que é papel de jornal - só um momento, senhora. / só um momento, senhora. / só um momento, senhora. Assim, fiquei preparada para não comprar a idéia, nem mesmo tomá-la emprestada. Pode crer. Alguma coisa mais que eu poderia retribuir? Eu pensei: quando não se acha o final da reta, se faz um círculo. Nada de pensamentos brilhantes, baby. Nada de ser tão esquisita por modismo, honey. Nada, nada disso. Então escuta que há uma porção de coisas por aí e que não estou interessada nas calotas do seu voyage: ando sabendo que você fez por amor mesmo, pra levar a sua garota para praia grande, então, preferiria que não me confessasse essa tua incapacidade de solidão ou seja lá o que freud preferir chamar (jung anda mais em voga ultimamente) entre as bibocas das malditas calotas e o óleo que escapa do motor - quanto essa lataria daria nas marginais para te livrar da idéia de que não vai a lugar algum?

(bobagem. preferiria que eu concordasse que elas forjam uma roda de dois paus; Então me diga ao menos: elas são daquelas que quanto mais você acelera mais parecem que rodam ao contrário? Há.)

mas vamos. vamos embora pra nos vermos amanhã. Hoje uma dose a menos de cinismo. A tal da revolucionária tava recitando o veneno que evitou a marginal para desviar pela contorno - com a corda toda, sabe. E esse anticristo amarelado, sheylla, esse anticristo amarelado, ai, esse anticristo amarelado - quem sabe ainda o escutará rindo e fazendo caretas na contra-capa. Mas, sheylla, eu já estou dormindo. Seu nome me deu sono, com todo o respeito. Eu te juro que não foi por altruísmo que eu me comovi, foi só porque eu me comovo e porque não me tranquei no subsolo. Então, acredite, acredite mesmo. Isso não deveria ter tanta importância, sabe, eu ainda estou num berço e essas palavras são móbiles coloridos girando e girando enquanto o bebê berra por leite - cry baby cry / make your mother sigh - nada demais, sabe. É que por mais que isso se solucione pra você, não se encerra pra mim: hã hã, princípio básico, honey, troque os títulos com a revolucionária se preferir.

_ Não é mesmo verdade?

Mas seria de uma ousadia sem tamanho encurtar esse piscar de olhos num som que me demandava a noite inteira. Deve haver outra maneira de te satisfazer, deve ter outra metáfora verossímil ou mais uma dessas antíteses por uma pataca;

_ Hein?

_ Pode crer.

Sheylla vai me chamar pra fumar por msn. Ele vai me oferecer seu celular por 100 conto "tem bluetooth". Ela vai me falar de linguagem corporal e aforismos lá vai "Uma caminhada de mil passos .... ... ...”, mas scotch não faz espuma ou bolhinha e no mais o que me diriam desse círculo que diminui / diminui / diminui / diminui até se parecer com um pontinho e outro pontinho e outro pontinho

2 de jan. de 2009

constatação.

Só hoje vieram me avisar que aquele senhor sentado duas cadeiras à direita da minha antipatia era mesmo Jesus Cristo.