13 de abr. de 2017

breu de fala

disse-me que pusesse-me calada, que não dissesse coisa alguma: coisa de livro na estante, coisa de observar a capa e suas rasuras, mas que fosse incapaz de abri-lo. um corpo parado na biblioteca de alexandria, que não ousasse abrir palavra alguma, que andasse por seus corredores sem evocar mistério algum. mediu, mensurou o peso das memórias e reclamou da bola de ar que emerge na superfície da piscina, indo ao encontro do espelho d'água com violência, julgou que era prudente deixar nossos reflexos intocados para que não entortasse nossas feições. o que eu diria? calei-me diante do grito ancestral que transmutara noutra garganta, noutro gesto. deixa-se a coisa em paz. dei-lhe o sossego da ausência, a paisagem quieta desse país onde nos colocamos como espectadores impassíveis, a atmosfera do museu onde só as madeiras estalam, onde a quietude se quebra numa anunciação do que agora já se faz mudo com a estrutura esmiuçada diante do desespero que nesse instante não pode mais pegar pelos cabelos. encerra-se. deixa que o peso se abrigue num dia frio, continua a andar, pensa em coisas sólidas, da dimensão do corpo, nas pontas dos dedos, deixa que tudo é de uma pequenez que ensaia grande propósitos: o que deveria envergar é o que circunda, não o que sai de dentro. caminha, olha a cidade, estabelece dentro dela uma rota certa e evite girar no meio da calçada, pelo menos uma vez é melhor calar-se e deixar que a película nítida do dia furte ao fosco tom do que não se para de repisar, pelo menos uma vez é bom observar que a chuva de palavras no fundo da memória deveria afogar somente aquele que ousa se encher dos sons ora próximos ora distantes e que o fio que amarra todas as linhas reside no próprio emaranhado.

_ não há navegante que não fale do mar.

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