Ao Lucas Schiavo
teu gosto azedo adocicado das tardes de domingo, naquele bar em que homens gritavam como cães sabe-se pra quê ou pra quem, é disso que estou falando quando um forte trago de cigarro cobre a cerveja que ainda não desceu. lembro dos seus olhos verdes e teu sorriso tão branco que poderia se atrever aos ventos mornos de tardes tão lentas. Disse que sentia falta da minha voz que narrava qualquer história, ora meu bem, estou falando o tempo todo pra você, te olhando assim tão de longe e tão bonito que deve estar. Isso não interessa muita gente, mas sei das letras das suas palavras e do som certo do seu sorriso. é disso tudo que eu me lembro, desde aquela noite que nos abraçamos chorando prometendo que não demoraria muito tempo até outras sessões esfumaçadas de verdades atemporais. antes de ir gostaria ainda de dizer que o verde que decifrei dentre tantas associações possíveis, era do parque municipal que está no centro da minha cidade, aquela que nenhum mapa aponta, mas que sei cada longitude e latitude desses passos que não param de te buscar. sinto a tua falta, tanta. foi impossível não dizer isso no meio que qualquer contexto: é como se num no intervalo de uma comédia alguém gritasse da plateia: sinto sua falta, tanta. do meio da cabine do metrô, após o anúncio da próxima estação, o grito soasse com os trilhos: sinto sua falta, tanta.
hoje poucos acreditam nesse toque, mas grito por aí que o senti, sim, eu o senti! e repito que o que sinto agora é de você inteiro, começando por pequenos gestos: o teu chinelo arrastando preguiçoso pelas ruas, as bermudas sempre rasgadas nas bordas revelando os joelhos ossudos, o corpo esguio que girava nas danças e os cabelos que se comparariam aos meus, dando-nos alguma semelhança desnecessária. De você não guardei uma foto sequer, necessidade tola de quem te vê todos os dias ao abrir os olhos.